Oficina de poesia para crianças

“Poeta tem mão de fada. Quando ele escreve a caneta Vira vareta encantada. Não é mais caneta, não, é varinha de condão.” (Leo Cunha)

Iniciei a aula com muito suspense. Tomar a atenção para mim, nesse momento, é muito importante. Disse que tinha uma surpresa, que faríamos uma coisa gostosa e eu leria uma história especial: A caligrafia de Dona Sofia, do André Neves, história poeticamente construída, com poemas em volta do texto que atraem a atenção de quem lê. Páginas coloridas, delicadamente desenhadas para trazer para si os olhos e a emoção do leitor, criança ou adulto, que se surpreende com o que vê.

Comecei a leitura pela capa, pelo título. Ninguém sabia o que era caligrafia. Expliquei que caligrafia significa a letra da pessoa e que a caligrafia de Dona Sofia era a letra dessa senhora, que era linda. Ela era professora aposentada e escrevia, com sua caligrafia caprichada, poemas nas paredes de sua casa. Antes de me aprofundar no livro, lancei a pergunta:

-Gente, antes de ler poemas a gente tem que saber o que é poesia... Alguém sabe?

Já havíamos lido outros poemas na sala e eu já havia chamado a atenção deles quanto ao conteúdo e a forma poética.

-É quando rima?

-Tem uns que rimam, outros não...

-Tia, quando fala que o sol é diamante, isso é poesia...

-Ah, sim isso também é poesia.

-É quando combina?

-Combina?

-É, quando é igual... O final...

-Quando rima... O final igual se chama rima. Às vezes rima mas prá fazer poesia tem que usar a cabeça e o coração nesses versos, que estão no livro:

“O poeta/escreve poesia/para ser criança/todo dia.” (Fernando Paixão)

Sabem por que o poeta escreve poesia para ser criança todo dia? Sabe qual a grande coisa que a criança tem que os adultos esquecem? As crianças estão sempre surpresas com tudo, o mundo é uma grande novidade. O poeta, como a criança, escreve sobre esse mundo que todo mundo conhece mas que ele enxerga com olhos curiosos ainda e sente com o mesmo entusiasmo de uma criança.

-Vou ler outro, esse foi escrito pelo André, que escreveu esse livro:

“A poesia rodando no vento/gira invento a todo momento/roda palavra na boca/enrola
rima na ponta da língua.”

-Gostaram? Olha ele falando de invento... Poesia a gente inventa, né? E ele fala de rima
também...

Depois da conversa, seguiu a leitura. Com os olhos e o coração abertos, o texto fluiu por toda sala e inundou nossa rotina. Encheu de vida e de graça nossa manhã nublada de terça-feira e fez feliz a mim e aos meus pequenos. Cada página lida revelava um segredo guardado em cada linha que seguia. Fiquei muito satisfeita com a escolha do livro, que estava na biblioteca da escola, parece que me esperando encontrá-lo.

Antes de ler para as crianças, li e reli o texto, levei o livro para casa e saboreei sozinha suas doces palavras. Mal sabia no que sua leitura se tornaria na escola mas, antes de ser um pretexto para a oficina de poesia, ele foi meu companheiro, exclusivamente meu.

Seguida a leitura, fiz uma sessão de relaxamento para alongar e relaxar as crianças, que deveria se preparar para o exercício de pensar e escrever.

-Estão prontos? Perguntei.

-Estamos!

-Hoje faremos uma oficina de poesia. Isso significa que a gente vai escrever poesia, cada um vai escrever a sua sobre o que quiser.

-Pode falar do amigo?

-Pode.

-Todos vamos usar a cabeça e o coração para escrevê-la. E cada um vai fazer com muito carinho para que a gente possa fazer um livro de poesias bem lindo e mostrar para toda escola.

-Hoje não vai ter dever?

-Essa é a atividade do dia...

Sorri. Quando a atividade envolve as crianças não parece dever. Mas escrever poesia também é um exercício de pensar e de escrever e, assim sendo, alcança meu objetivo do dia. Por que escolher uma atividade estéril e cansativa se eu posso trazer as crianças para o processo? Assim, tocando cada um e permitindo a escrita do que lhes agrada e do que mantem suas atenções, capricho e trabalho, posso ir além do trabalho de codificar e decodificar o código escrito, atividade mecânica ainda muito praticada em turmas de alfabetização. O sabor de escrever está nisso, cada um ser dono da sua própria palavra, lida, pensada, escrita e sentida, carregada das bagagens emocionais de cada criança e adicionando novos saberes, pensares e sentimentos.

Apaixonados, eu e meus alunos nos deixamos levar pela onda poética que se formou na aula. Imersos na poesia que é como uma maçã do amor, mistério guardado atrás da casca caramelada, doce em que a gente se lambuza. É vermelha, rubra como um coração pulsando palavras, sensações e rimas, linhas e versos, no ritmo do pensamento. Cada texto escrito foi lido em voz alta e compartilhado por todos. Cada um, de acordo com suas possibilidades, foi autor de um texto poético. Seguem os poemas dos meus poetas aprendizes, assim como eu:

“A tia é bonita.” (Cristian)

“Eu sou bonita e a lua brilha no céu.” (Samanta)

“O Vinícius é fofo e Samanta é fofa.” (Eduardo)

“A tia é bonita e eu também sou.” (Evelyn)

“Eduardo é fofinho.” (Vinícius)

“Um botão de ouro é valioso.” (Ryan)

“O sol é lindo.” (Francielen)

"O sol é um diamante e a lua também é linda.” (Victória)

“Davi é amigo” (Fabiano)

“A Evelyn é um diamante e muito bonita.” (Djullye)

“Leonel e Mateus são meus amigões.” (Davi)

“O brilho da lua/brilha na rua.” (Mateus)

“A lua é legal/parece o sol/mas não é.” (Leonel)

“O Leonel é meu amigo.” (Loran)

“Samanta é bonita/ Kaylane é bonita/Victória é bonita.” (Kaylane)

Que a volta às aulas, nas segundas-feiras, na seu torne uma “volta às jaulas”, como anunciou o lingüista Marcos Bagno. Mas que tenha um cheirinho doce de quem abre e lê no “papel roxo da maçã”, livro do mesmo autor. Que tenha a poesia e a delicadeza de quem se arrisca a escrever seus primeiros pensamentos, o lápis ainda vacilante e a mão insegura sobre a folha em branco. O aprendizado da leitura e da escrita, por não ser fácil não precisa ser torturante, por ser tão diverso não pode se limitar a homogeneizar, sem respeitar os ritmos, as lógicas, as histórias de vida e as motivações de cada um. Por ser poético precisa exercitar o pensar e o sentir, por ser afetivo não pode ser mecânico, monótono e estéril.

Por ser vida, deve se abrir para a vida, janelas abertas por onde ventila o mundo. Não pode rimar com sacrifício, mas com exercício. Um exercício contínuo de reflexão sobre a prática, sobre nossos olhares acerca dos nossos alunos, nossas expectativas, nossas possibilidades e sobre o largamento dos nossos pensares.

Cada dia em sala de aula deve ser um dia novo. Aberto para todas as possibilidades, como a manhã que mal acaba de chegar trazendo todo um dia de novidades. Deve ter o sabor da curiosidade, fruta macia, gostosa como ter um livro novo nas mãos. Deve ter a vontade necessária para que o dia se torne possível de acontecer, com todos os seus tropeços, caminhos e descaminhos que nos ensinam a caminhar. E que não seja um fardo, capaz de inviabilizar o sonho.

Mas que seja asa, para estudantes e professores.


Por: Ryane Pinto

Graduação em pedagogia pela Uerj-FFP (Faculdade de Formação de Professores)
Pós-graduação em Alfabetização das crianças das classes populares - UFF

Educação Informal

Há muitas maneiras de se educar. Umas das maneiras mais eficazes é aquela que não é percebida por quem está sendo educado.

Assim, de forma indireta, o Teatro de Bonecos, a Contação de Histórias entram no dia-dia da escola. Com histórias criativas e educadoras, de fundo moral implícito, linguajar adequado e interação total a mensagem fica gravada na memória da criança.

Assistindo as apresentações de Teatro de Bonecos e Contação de Histórias, as crianças estão desenvolvendo:


A percepção visual e auditiva;

A percepção das seqüências dos fatos;

A noção espaço temporal;

A criatividade e a imaginação;

A memória;

A socialização;

O vocabulário;

A compreensão;

A capacidade para recreação organizada.

Pôr chamar a atenção proporcionando a distração, o Teatro de Bonecos e a Contação de Histórias educa divertindo e diverte educando, atuando com grande significação psicológica em toda a faixa etária infantil.

As apresentações enriquecem o universo da criança, proporcionando-lhe uma dimensão encantada e exatamente por que é criança, não tem noção de como esse encantamento a influencia, ele permite que ela incorpore a sua própria vida, através da fantasia, tudo o que a história revela sobre a vida e a natureza humana.


por: Aê Coaracy

Descobrindo o amor pelas palavras

As relações que vamos construindo com a escrita na alfabetização e, muitas vezes, ao longo da vida estão geralmente ligadas à estrutura do texto. O trabalho poético e literário, em geral, vem para complementar a parte estrutural da construção textual.

Escrever um texto significa tecer, entre palavras, impressões e sensações do mundo em que vivemos a partir da lente dos nossos valores. Escrever literalmente, mais especificamente poeticamente, significa perceber esse mundo que passa pelos nossos sentidos e, dado o sentido que dá à nossa vida, escrevê-lo.

Escrever para melhor compreendê-lo, para compartilhá-lo, para intensificá-lo ou para eternizá-lo. A função da linguagem literária pode ser inicialmente um prazer que, aos poucos, vai agregando valores e funções que vão além do que se pode propor inicialmente.

Daí surge a necessidade do trabalho com o texto poético: os caminhos possíveis de uma alfabetização dos sentidos, encharcada do estar no mundo de cada um, suas visões desse mundo, suas sensações e sabores, as formas de perceber e conceder o entorno, a utilidade do registro escrito, o prazer de ler e escrever como utilidade desse registro e como finalidade.

A escrita e leitura poética propõem uma sintonia homem/mundo onde ambos se fundem e, a percepção e compreensão do mundo, pressupõe a compreensão de nós mesmos, num jogo de descobertas e envolvimentos em que afetamos e somos afetados, num ciclo ininterrupto que descortina novos olhares sobre as mesmas realidades e novos caminhos para substituir outros.

O jogo criativo que surge vai se fortalecendo à medida em que exercitamos o prazer de ler e escrever, o degustar de palavras e idéias inteiras, a sensação de liberdade que se experimenta no ato criador, a variedade de formas e cores que emolduram nossas idéias, o amadurecimento dos nossos sonhos e a construção de sonhos novos. A linguagem poética então exige, fundamentalmente, sensibilidade para sentir o mundo e sentindo, podermos expressá-lo e dividi-lo com os outros. Transformar sensações em palavras significa perceber as sutilezas do estar no mundo e, escolhendo delicadamente as palavras, anunciá-lo aos outros, levando não só a notícia descritiva desse mundo como carregando essas palavras da emoção de quem escreve na esperança de que cheguem a quem as lê.

A emoção de quem escreve e quem lê então, se unem numa comunhão em que um fio muito tênue separa o racional e o emocional. Ler e escrever cumprem um papel funcional e social importante no mundo grafocêntrico em que vivemos, papel que também soma o prazer proporcionado por essa atividade uma vez que existe a necessidade de verbalizar o sentido, transformar as sensações em palavras, compartilhar com o texto, no ato de escrever, todas as formas de perceber o mundo.

Ler o que foi percebido pelo outro significa reviver, repensar e observar as diferentes formas de olhar e sentir uma mesma realidade. Lendo, aprimoramos nossas possibilidades de compreender, viver e refletir sobre o mundo em que estamos mergulhados. Quanto mais se exercita essa sensibilidade de ver, pensar e sentir, mais capazes nos tornamos de perceber as sutilezas das nossas realidades e, melhor percebendo, compreendendo e compartilhando, maiores se tornam as possibilidades de transformação de ambos, homem e mundo.

Escrever e ler devem ser então, exercícios de delicadeza que vão deixando as nossas percepções mais à flor da pele para que sejamos capazes de olhar com maior estranhamento para o mundo que nos cerca e percebê-lo com maior clareza. Assim, deslizando pelos caminhos do conhecido nos tornamos capazes de questioná-lo e modificá-lo. Emocionar-se com o cotidiano significa estranhar o cotidiano, questionar-se, envolver-se, observá-lo e transformá-lo. Ver o mundo, revê-lo e rever e reler para questioná-lo significa reescrevê-lo.

A anunciação do mundo implica um novo olhar sobre ele, um novo pensar e sentir na busca da percepção do que não foi possível anteriormente. Com o olhar mais atento, vamos buscando pistas que nos levam a compreendê-lo melhor. Tais pistas só se tornam visíveis pelas nossas leituras de mundos anteriores e pelos nossos valores acerca desse mundo. Variando os valores, variam as pistas e as possibilidades.

Daí a necessidade do exercício da delicadeza, do estranhamento. Estranhar exige que nos dispamos dos nossos velhos valores para observar com o coração. A razão se alia à emoção para um pensamento contínuo sobre nossas responsabilidades que se agregam ao fato de existirmos. Existir exige um comprometimento com o mundo e com os outros, num processo que requer um pensar/sentir/agir responsáveis.

O professor alfabetizador não só ensina. Ele só ensina quando aprende como o outro aprende. Nesse jogo de saberes, o professor que também é aluno, aprendente, sensível às pistas, às histórias de vida de cada aluno, vai tecendo formas de ensinar e aprender.

Aprendendo a ensinar e a aprender, vai costurando laços de confiança que permitem a fluidez do processo de aquisição da leitura escrita. Dessa forma, a aprendizagem ganha leveza, o que faz com que se torne mais eficiente uma vez que estão todos envolvidos nela. Ler e escrever e ensinar a ler e escrever então, assumem um papel de responsabilidade social com a construção do mundo e a sociedade em que vivemos e com o mundo e a sociedade em que sonhamos.

Por: Ryane Pinto

Graduação em pedagogia pela Uerj-FFP (Faculdade de Formação de Professores)
Pós-graduação em Alfabetização das crianças das classes populares - UFF

Colaboradores

Aê CoaracyJosé Lúcio de SouzaAdriana Muheim CorsiniCamilo MotaThiago Brum Teixeirahttp://2.bp.blogspot.com/_TBV-SMKiE60/TLip_7zk9wI/AAAAAAAABR8/p03DZ61b0ao/s1600/larissa.jpghttp://1.bp.blogspot.com/_TBV-SMKiE60/TOLiI-NZwuI/AAAAAAAABTo/NZSvGQM0_80/s1600/Ryane%2BPinto.jpghttp://3.bp.blogspot.com/_TBV-SMKiE60/TOLj5kN05MI/AAAAAAAABTw/uXOaXlPtTkw/s1600/rosa.jpg