Descobrindo o amor pelas palavras

As relações que vamos construindo com a escrita na alfabetização e, muitas vezes, ao longo da vida estão geralmente ligadas à estrutura do texto. O trabalho poético e literário, em geral, vem para complementar a parte estrutural da construção textual.

Escrever um texto significa tecer, entre palavras, impressões e sensações do mundo em que vivemos a partir da lente dos nossos valores. Escrever literalmente, mais especificamente poeticamente, significa perceber esse mundo que passa pelos nossos sentidos e, dado o sentido que dá à nossa vida, escrevê-lo.

Escrever para melhor compreendê-lo, para compartilhá-lo, para intensificá-lo ou para eternizá-lo. A função da linguagem literária pode ser inicialmente um prazer que, aos poucos, vai agregando valores e funções que vão além do que se pode propor inicialmente.

Daí surge a necessidade do trabalho com o texto poético: os caminhos possíveis de uma alfabetização dos sentidos, encharcada do estar no mundo de cada um, suas visões desse mundo, suas sensações e sabores, as formas de perceber e conceder o entorno, a utilidade do registro escrito, o prazer de ler e escrever como utilidade desse registro e como finalidade.

A escrita e leitura poética propõem uma sintonia homem/mundo onde ambos se fundem e, a percepção e compreensão do mundo, pressupõe a compreensão de nós mesmos, num jogo de descobertas e envolvimentos em que afetamos e somos afetados, num ciclo ininterrupto que descortina novos olhares sobre as mesmas realidades e novos caminhos para substituir outros.

O jogo criativo que surge vai se fortalecendo à medida em que exercitamos o prazer de ler e escrever, o degustar de palavras e idéias inteiras, a sensação de liberdade que se experimenta no ato criador, a variedade de formas e cores que emolduram nossas idéias, o amadurecimento dos nossos sonhos e a construção de sonhos novos. A linguagem poética então exige, fundamentalmente, sensibilidade para sentir o mundo e sentindo, podermos expressá-lo e dividi-lo com os outros. Transformar sensações em palavras significa perceber as sutilezas do estar no mundo e, escolhendo delicadamente as palavras, anunciá-lo aos outros, levando não só a notícia descritiva desse mundo como carregando essas palavras da emoção de quem escreve na esperança de que cheguem a quem as lê.

A emoção de quem escreve e quem lê então, se unem numa comunhão em que um fio muito tênue separa o racional e o emocional. Ler e escrever cumprem um papel funcional e social importante no mundo grafocêntrico em que vivemos, papel que também soma o prazer proporcionado por essa atividade uma vez que existe a necessidade de verbalizar o sentido, transformar as sensações em palavras, compartilhar com o texto, no ato de escrever, todas as formas de perceber o mundo.

Ler o que foi percebido pelo outro significa reviver, repensar e observar as diferentes formas de olhar e sentir uma mesma realidade. Lendo, aprimoramos nossas possibilidades de compreender, viver e refletir sobre o mundo em que estamos mergulhados. Quanto mais se exercita essa sensibilidade de ver, pensar e sentir, mais capazes nos tornamos de perceber as sutilezas das nossas realidades e, melhor percebendo, compreendendo e compartilhando, maiores se tornam as possibilidades de transformação de ambos, homem e mundo.

Escrever e ler devem ser então, exercícios de delicadeza que vão deixando as nossas percepções mais à flor da pele para que sejamos capazes de olhar com maior estranhamento para o mundo que nos cerca e percebê-lo com maior clareza. Assim, deslizando pelos caminhos do conhecido nos tornamos capazes de questioná-lo e modificá-lo. Emocionar-se com o cotidiano significa estranhar o cotidiano, questionar-se, envolver-se, observá-lo e transformá-lo. Ver o mundo, revê-lo e rever e reler para questioná-lo significa reescrevê-lo.

A anunciação do mundo implica um novo olhar sobre ele, um novo pensar e sentir na busca da percepção do que não foi possível anteriormente. Com o olhar mais atento, vamos buscando pistas que nos levam a compreendê-lo melhor. Tais pistas só se tornam visíveis pelas nossas leituras de mundos anteriores e pelos nossos valores acerca desse mundo. Variando os valores, variam as pistas e as possibilidades.

Daí a necessidade do exercício da delicadeza, do estranhamento. Estranhar exige que nos dispamos dos nossos velhos valores para observar com o coração. A razão se alia à emoção para um pensamento contínuo sobre nossas responsabilidades que se agregam ao fato de existirmos. Existir exige um comprometimento com o mundo e com os outros, num processo que requer um pensar/sentir/agir responsáveis.

O professor alfabetizador não só ensina. Ele só ensina quando aprende como o outro aprende. Nesse jogo de saberes, o professor que também é aluno, aprendente, sensível às pistas, às histórias de vida de cada aluno, vai tecendo formas de ensinar e aprender.

Aprendendo a ensinar e a aprender, vai costurando laços de confiança que permitem a fluidez do processo de aquisição da leitura escrita. Dessa forma, a aprendizagem ganha leveza, o que faz com que se torne mais eficiente uma vez que estão todos envolvidos nela. Ler e escrever e ensinar a ler e escrever então, assumem um papel de responsabilidade social com a construção do mundo e a sociedade em que vivemos e com o mundo e a sociedade em que sonhamos.

Por: Ryane Pinto

Graduação em pedagogia pela Uerj-FFP (Faculdade de Formação de Professores)
Pós-graduação em Alfabetização das crianças das classes populares - UFF

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